sexta-feira, 29 de agosto de 2008

PERDÃO (Esboço de pregação):

PERDÃO – FUNDAMENTO DA
NOSSA SALVAÇÃO:
(AT 10:43) "A este dão testemunho todos os
profetas, de que todos os que nele crêem
receberão o perdão (remissão) dos pecados
pelo seu nome."

O PERDÃO DE DEUS:
● É a expressão de sua graça.
● Mesmo que remissão.
● A palavra grega é “aphiêmi” que significa:
– Definitivamente abandonar.
– Descartar.
– Mandar embora.
– Jogar fora.

SIGNIFICA QUE:
● Deus não mais se lembra:
– (IS 43:25) "Eu, eu mesmo, sou o que apago
as tuas transgressões por amor de mim, e
dos teus pecados não me lembro."
● Temos a chance de começar de novo.
● Somos curados:
– (SL 103:3) "Ele é o que perdoa todas as tuas
iniqüidades, que sara todas as tuas
enfermidades,"

O ALVO DE DEUS:
RESTAURAR RELACIONAMENTOS.
(2 Cor.5.18-19) Mas todas as coisas provêm de
Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por
Cristo, e nos confiou o ministério da reconciliação;
pois que Deus estava em Cristo reconciliando
consigo o mundo, não imputando aos homens
as suas transgressões; e nos encarregou da
palavra da reconciliação.

UM PERDÃO QUE CUSTOU
CARO:
● Não é desculpar o pecado.
● Perdão sem perda nada vale.
● Custou a vida de Jesus.
● (Efésios 1:7)Em quem temos a redenção pelo
seu sangue, a remissão das ofensas, segundo
as riquezas da sua graça.

NOSSO CHAMADO:
● SEGUIR O EXEMPLO DE JESUS:
● (EF 4:32) "Antes sede uns para com os outros
benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns
aos outros, como também Deus vos perdoou
em Cristo."

É POSSÍVEL PERDOAR?
● Possível para discípulos de Jesus.
● Não possível para a carne (nosso eu) .
● Depende da vida de Jesus em nós.
● (GL 2:20) "Já estou crucificado com Cristo; e
vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim;
e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé
do Filho de Deus, o qual me amou, e se
entregou a si mesmo por mim."

1º PASSO:
RECONHECER QUE ESTOU FERIDO.

2º PASSO:
● CONCORDAR QUE AMARGURA É PECADO.
– (1JO 3:15) "Qualquer que odeia a seu irmão é
homicida. E vós sabeis que nenhum homicida tem
a vida eterna permanecendo nele."
– (Efésios 4.31) Toda a amargura e indignação, e
ira, e gritaria, e blasfêmia sejam tiradas dentre vós,
bem como toda a malícia.

3º PASSO:
●TIRAR A TRAVE DO MEU OLHO.
●(Lucas 6.42) Ou como podes dizer a teu irmão:
Irmão, deixa-me tirar o argueiro que está no teu
olho, não vendo tu mesmo a trave que está no
teu? Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho;
e então verás bem para tirar o argueiro que está
no olho de teu irmão.

4° PASSO:
●RESISTIR AO DIABO.
–(TG 4:7) "Sujeitai-vos, pois, a Deus, resisti ao diabo, e
ele fugirá de vós."
–(EF 4:27) "Não deis lugar ao diabo.”

5° PASSO:
DESARMAR-SE.

6° PASSO
ASSUMIR AS PERDAS.

7° PASSO:
● DECLARAR
PERDÃO POR FÉ.

8° PASSO:
PEDIR A CURA DAS EMOÇÕES.

9º PASSO:
VIRAR A PÁGINA.

10º PASSO:
● ORAR PELA PESSOA QUE PERDOAMOS.
● (MT 5:44) "Eu, porém, vos digo: Amai a vossos
inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei
bem aos que vos odeiam, e orai pelos que
vos maltratam e vos perseguem; para que
sejais filhos do vosso Pai que está nos céus;"

11º PASSO:
● SERVIR A PESSOA QUE PERDOAMOS.
– (RM 12:20) "Portanto, se o teu inimigo tiver fome,
dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber;
porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo
sobre a sua cabeça."

OS EFEITOS DO PERDÃO:
● Liberamos a pessoa para que Deus possa
trabalhar na vida dela.
● Não significa que concordamos com o pecado.
● “...amontoarás brasas de fogo sobre a sua
cabeça.”
● Podemos seguir nossa vida normalmente.

O QUE NÃO É PERDÃO?
● PERDÃO INDEFERENTE.
● PERDÃO CONDICIONAL.
● PERDÃO PARCIAL.
● PERDÃO ADIADO.

O QUE ACONTECE QUANDO NÃO
PERDOAMOS?
● CONTINUO COM RESSENTIMENTO E
AMARGURA.

● MINHA VIDA É DIRIGIDA PELO PASSADO.

● SOFRO OS EFEITOS
NOCIVOS:
– Separações.
– Mudanças.
– Passo mal ao ver a
pessoa.
– Enfermidades físicas e
emocionais.

● SOFREMOS IMENSOS PREJUÍZOS NA
IGREJA:
– Perda de comunhão.
– Indiferença.
– Falta de vida e poder.
– Falta de alegria
– Visão negativa de tudo.
– Todo corpo sofre.
(CL 3:13) "Suportando-vos uns aos outros, e
perdoando-vos uns aos outros, se alguém
tiver queixa contra outro; assim como Cristo
vos perdoou, assim fazei vós também."

● VIRAMOS UM FOCO
CONTAGIOSO.
– (HB 12:15) "Tendo cuidado de
que ninguém se prive da graça
de Deus, e de que nenhuma
raiz de amargura, brotando,
vos perturbe, e por ela
muitos se contaminem."

●FICAMOS FALSAMENTE
ZELOSOS.
●FICAMOS CRÍTICOS.
●Eclesiastes 7.16 Não sejas
demasiadamente justo, nem
demasiadamente sábio; por
que te destruirias a ti mesmo?

● ABRIMOS A PORTA PARA SERMOS
AFLIGIDOS POR ESPÍRITOS MALIGNOS.
(MT 18:32-35) "Então o seu senhor, chamando-o
à sua presença, disse-lhe: Servo malvado,
perdoei-te toda aquela dívida, porque me
suplicaste."
"Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu
companheiro, como eu também tive misericórdia
de ti?"
"E, indignado, o seu senhor o entregou aos
atormentadores, até que pagasse tudo o que
devia."
"Assim vos fará, também, meu Pai celestial, se do
coração não perdoardes, cada um a seu irmão,
as suas ofensas."'

●ESTAMOS A CAMINHO DA DESTRUIÇÃO.
●(JÓ 5:2) "Porque a ira destrói o louco; e o zelo
mata o tolo.

● PASSAMOS A SER ALVOS DA MESMA
MEDIDA.
– (Mateus 7.2) Porque com o juízo com que julgais,
sereis julgados; e com a medida com que medis
vos medirão a vós.

A QUEM DEVO PERDOAR?
● FAMILIARES.
● IRMÃOS NA IGREJA.
● AUTORIDADES.
– Patrões.
– Professores.
– Governo.
– Pastores e discipuladores.
● A TI MESMO.
– (1JO 1:9) "Se confessarmos os nossos pecados,
ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e
nos purificar de toda a injustiça."

O ESTILO DE VIDA DOS
DISCÍPULOS DE JESUS:
● PERDOAR E SER PERDOADO.
– (MT 6:14) "Porque, se perdoardes aos homens as
suas ofensas, também vosso Pai celestial vos
perdoará a vós;"
– (MT 6:15) "Se, porém, não perdoardes aos
homens as suas ofensas, também vosso Pai vos
não perdoará as vossas ofensas."

PERDÃO É A EXPRESSÃO DO
AMOR:
● “Portanto, sede sábios e vigiai em
oração; tendo antes de tudo ardente
amor uns para com os outros, porque
o amor cobre uma multidão de
pecados”. (I Pedro 4:7-8)

O QUE DEVO LEMBRAR?
● TAMBÉM TENHO MUITAS FALHAS.
● DEPENDO COMPLETAMENTE DA:
– MISERICÓRDIA DE DEUS.
– MISERICÓRDIA DOS MEUS IRMÃOS E IRMÃS.

OS DOIS PATAMARES:

● PATAMAR DA
JUSTIÇA PRÓPRIA.
– EXIGE JUSTIÇA.
– EXIGE QUE TODOS
SEJAM PERFEITOS.
– SERÁ MEDIDO COM
A MESMA MEDIDA.

● PATAMAR DA
JUSTIÇA DE DEUS.
– RECEBE PERDÃO E
PERDOA.
– ANDA NO ESPÍRITO,
NÃO OUVINDO A
CARNE.

URGENTE! URGENTE! URGENTE!
● (Mateus 5.23-25)Portanto, se estiveres
apresentando a tua oferta no altar, e aí te
lembrares de que teu irmão tem alguma
coisa contra ti,
● deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai
conciliar-te primeiro com teu irmão, e depois
vem apresentar a tua oferta.
● Concilia-te depressa com o teu adversário,
enquanto estás no caminho com ele...

RECONSTRUINDO A CONFIANÇA:
● O perdão (minha parte) deve ser imediato.
● A volta da confiança não é automática.
● Quando perdôo, abro o caminho para a
reconciliação.
● A volta da confiança é um processo.
● A volta da confiança também depende da outra
pessoa:
– Reconhecer sua parte do problema.
– Pedir perdão.
– Mudar atitudes.

COLOSSENSES 2: 12 A 17:
Revestí-vos, pois, como eleitos de Deus, santos
e amados, de coração compassivo, de
benignidade, humildade, mansidão,
longanimidade,
suportando-vos e perdoando-vos uns aos
outros, se alguém tiver queixa contra outro;
assim como o Senhor vos perdoou, assim fazei
vós também.
E, sobre tudo isto, revestí-vos do amor, que é o
vínculo da perfeição.
E a paz de Cristo, para a qual também fostes
chamados em um corpo, domine em vossos
corações; e sede agradecidos.
A palavra de Cristo habite em vós ricamente, em
toda a sabedoria; ensinai-vos e admoestai-vos
uns aos outros, com salmos, hinos e cânticos
espirituais, louvando a Deus com gratidão em
vossos corações.
E tudo quanto fizerdes por palavras ou por
obras, fazei-o em nome do Senhor Jesus,
dando por ele graças a Deus Pai

HOJE:
QUEM VOCÊ DEVE
PERDOAR?
AQUEM VOCÊ DEVE
PEDIR PERDÃO?

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

A BIOGRAFIA DE WATCHMAN NEE

Watchman Nee, cujo nome em chinês é Nee To-sheng, nasceu na cidade do Fuchou, em 4 de novembro de 1903. Era filho do Nee Weng-hsiu, um homem de caráter aprazível e Lin Huo-ping, uma mulher de vontade firme. Por motivo de anteriormente não terem tido um homem, sua mãe prometeu a Deus que, se fosse homem, o ofereceria.
No princípio, segundo as tradições familiares, foi chamado Nee Shu-tsu, que significa: «Aquele que proclama os méritos de seus antepassados». Mais tarde, consciente de sua nova missão na vida, decidiu chamar-se Nee Ching-fu («Aquele que adverte ou exorta»), mas lhe pareceu muito contundente. Finalmente, sua mãe lhe propôs To-Sheng, que significa «nota de gongo (ou matraca) que escutada de longe», que era usada pelos sentinelas. Ele se sentia chamado pelo Senhor como um sentinela, para fazer soar seu gongo às pessoas na noite escura. Entre os crentes de fala inglesa o chamaram Watchman Nee, que significa ‘vigia’.
Nee To-Sheng pertencia a uma família de uma rica história cristã, pois seu avô, Nee Ou-cheng foi o primeiro pastor chinês nessa grande região, e um grande expositor da Bíblia. Seu pai, Nee Weng-hsiu foi o quarto de nove filhos homens. Por ser um estudante avantajado, obteve o posto de oficial menor de alfândegas.
Primeiros anos
A infância de To-Sheng transcorreu em um lar de severos princípios. Huo-ping levava as rédeas da casa com mão firme. Inculcava em seus filhos a ordem, a limpeza, e sobre tudo, instruía-lhes na fé. A música era um grande passatempo para os meninos, onde aprenderam muitos hinos e cânticos cristãos.
Na idade de treze anos, To-Sheng ingressou no Ensino médio, na Escola Trindade de Fuchou, de orientação ocidental. Este Colégio era a porta para obter emprego na Missão ou do Estado, e dali os jovens subiam para posições de influência.
Nee era muito bom aluno, e bastante vaidoso. Inclusive sua estatura ultrapassava a da maioria. Por esse tempo, o ‘mandarim’ começou a mudar para o chinês literário clássico nos textos escolares, o que tornou mais fácil o acesso à literatura. Nee se converteu em um ávido leitor. Começou a escrever artigos para os periódicos, e com o dinheiro obtido compra-va bilhetes de loteria. Também gostava muito de cinema.
Quando os ventos da revolução envolveram o país, o lar dos Nee se viu envolvido. Huo-ping participou ativamente da política e dos eventos sociais, afastando-se pouco a pouco do Senhor. Sua casa passou a ser um centro político-social, onde se reuniam as mulheres para jogar cartas.
Chega o dia da fé
Por este tempo ocorreu um fato muito significativo na casa dos Nee. Um dia de janeiro de 1920, Huo-ping encontrou quebrado um caro adorno da casa. Depois de investigar rapidamente, achou que To-Sheng era o culpado. Como este não o admitiu, foi castigado severamente. Mais tarde ela soube que ele era inocente, mas não o fez saber. To-Sheng se encheu de dor e ressentimento para com sua mãe. As relações ficaram quebradas por algum tempo.
Esse mesmo mês chegou à cidade Yu Tsi-tu (Dora Yu), uma missionária muito conhecida, para dirigir duas semanas de reuniões evangelisticas em uma congregação metodista. Nessas reuniões Hou-Ping se reencontrou com o Senhor, e seu lar recebeu imediatamente o impacto desta experiência.
Um dia, enquanto ela tocava e cantava hinos em uma reunião familiar, foi impulsionada pelo Senhor a pedir perdão a seu filho pela injustiça cometida. Este fato, insólito em uma cultura como a China que ensina que os pais nunca se equivocam, tocou o coração de To-Sheng, e o sensibilizou para a fé. Antes que finalizassem as reuniões, este também se entregou ao Senhor. Tinha 17 anos de idade.
Preparação para o ministério
Receber ao Senhor e consagrar-se por completo, foram para ele uma só coisa. Anteriormente tinha considerado algo indigno ser um pregador – devido ao triste exemplo dos pregadores chineses contratados pelos estrangeiros. Mas agora não concebia dedicar sua vida a outra coisa que não seja servir a Deus. De modo que começou imediatamente a fazer os acertos necessários.
De todas as disciplinas do colégio, a mais descuidada tinha sido a da Bíblia, tanto que estava acostumado a usar «colas» nos exames. Agora abandonou essa prática e confessou sua falta ao diretor do colégio –com risco de ser expulso e perder o direito a uma bolsa de estudo–. A falta foi-lhe perdoada.
Nos meses seguintes, aproveitando os distúrbios sociais que tornava muito irregular o ano escolar, foi, com a permissão de seus pais, a Shangai para estudar na Escola Bíblica da senhorita Yu. Por um ano se dedicou aos seus estudos, onde aprendeu a receber em seu coração a mensagem da palavra de Deus (e não só no intelecto), e o segredo de confiar somente em Deus para as suas necessidades materiais. Entretanto, ele mesmo, reconhece que aquilo foi um fracasso: «Não passou muito tempo para que ela (Dora Yu), cortesmente, desvinculasse-me do Instituto, com a desculpa de que era-me inconveniente permanecer ali mais tempo. Por causa do meu «bom apetite», de minhas roupas inadequadas e do meu costume de me levantar tarde, a irmã Yu pensou que seria melhor me mandar para casa. Meu desejo de servir ao Senhor sofreu um forte reverso. Embora pensasse que minha vida tinha sido transformada, na verdade ainda restavam muitas outras coisas que deviam ser mudadas».
De retorno a Fuchou, retomou seus estudos regulares, mas com uma nova visão. Por sugestão de uma missionária, elaborou uma lista com os nomes de 70 moços do Colégio e começou a orar sistematicamente por cada um deles, testemunhando-lhes em cada oportunidade que se apresentava. No princípio riam dele, pois sempre levava a Bíblia consigo, e a lia em todo momento. Mas pouco a pouco começaram a converter aqueles companheiros, com exceção de um só. Formou-se assim um grupo de entusiastas evangelistas que testemunhavam na escola e pelas ruas, repartindo tratados, levando cartazes e acompanhados de um sonoro gongo.
Por este tempo, Nee conheceu a M. S. Barber, uma ex-missionária anglicana que agora trabalhava de forma independente, e que vivia nos subúrbios de Fuchou. A srta. Barber, acompanhada de seu compatriota, M. L. S. Ballord, compartilhavam o evangelho entre as mulheres da localidade, e oravam intensamente por um mover de Deus na China. M. S. Barber estava acostumada a ajudar os jovens que procuravam ser guiados pelo Senhor; por algum tempo houve até sessenta jovens recebendo ajuda dela. Ela chegou a ser um verdadeiro conselheiro na vida de To-Sheng, a influência viva maior para ele, comparável só a de T. Austin-Sparks, alguns anos mais tarde.
Um progresso dessa influência se verificou pouco tempo depois, no dia que To-Sheng e sua mãe desceram às águas do batismo para ser batizados por ela. Nee estava acostumado a dizer que foi por meio de uma irmã que ele foi salvo e também foi por meio de uma irmã que ele foi edificado. Mais ainda, ele recebeu muita ajuda de outras duas irmãs mais velhas: Ruth Lee e Peace Wang.
Avivamento entre os jovens
No princípio de 1921 chegou a Fuchou um jovem de nome Wang Tsai (conhecido também como Leland Wang), que aos 23 anos de idade tinha renunciado a seu posto na Marinha para servir ao Senhor totalmente. Brevemente entrou em contato com To-Sheng e seus amigos. Como era um pouco mais velho que eles, e de maior experiência, converteu-se em seu líder. A amizade entre Wang Tsai e To Sheng chegou a ser muito estreita, pois compartilhavam o mesmo zelo evangelistico.
No ano 1922, no lar de Wang Tsai celebraram pela primeira vez A Ceia do Senhor, sem sacerdote nem pastor, com a assistência só de três pessoas: Wang Tsai, sua esposa e To-Sheng. Sentiram tal gozo e liberdade, que começaram a fazê-lo com freqüência. Semanas depois uniram-se a eles a mãe de Nee e outros irmãos.
No final desse mesmo ano começou um verdadeiro avivamento entre os jovens, logo depois da visita à cidade da evangelista Li Yuen-ju. Quando ela se foi, os jovens ministros se encarregaram das pregações. Uns saíam para convidar pelas ruas, e o Espírito Santo atraía a um número cada vez maior de pessoas. A cidade de Fuchou, de 100.000 habitantes, foi grandemente comovida por este movimento espiritual.
Por causa da necessidade, tiveram que alugar uma casa maior. To-Sheng e outro irmão passaram a viver ali, para estar disponíveis para os jovens a toda hora. Em seguida começaram a sair 60 a 80 jovens para outros povos, para pregar, aproveitando os feriados e férias. Sua mensagem era ouvida e respeitada pelos rústicos camponeses, pois eles eram jovens cultos.
As primeiras lições espirituais
Nos dias de sábado, Nee ia ver a Srta. Barber para estudar a Bíblia e ser repreendido. Quando não havia nada nele que merecesse uma repreensão, ela fazia pergunta até encontrar alguma falha, e então o repreendia. Assim, ele recebeu suas mais importantes lições espirituais.
Nee era muito zeloso a respeito de fazer sempre o correto e o justo. Ele fazia parte de um grupo de sete obreiros, que se reuniam tadas as sextas-feiras. Muitas dessas reuniões se tornaram envolvidas por discussões entre Nee e Wang Tsai, quem, segundo Nee, insistia em impor a sua vontade só por ser o mais velho. Outros obreiros, geralmente tomavam partido por Wang Tsai. Nee se sentiu muitas vezes ofendido e procurou luz na irmã Barber. Ela, contrariamente ao que ele esperava, disse-lhe que devia sujeitar-se aos mais velhos, sem lhe dar maiores explicações. Esta dolorosa experiência se repetiu durante 18 meses, e concluiu quando ele se rendeu e aceitou ocupar o segundo lugar.
Nee o explica assim: «Eu era sempre o primeiro aluno tanto em minha classe como da escola. Também queria ser o primeiro no serviço ao Senhor. Por essa razão, quando me tornei o segundo, eu desobedeci. Disse repetidamente a Deus que aquilo era muito para mim. Eu estava recebendo muito pouca honra e autoridade, e todos se alinhavam com meu cooperador de mais idade. Mas eu adoro a Deus e lhe agradeço do profundo do meu coração por tudo isso. Foi o melhor treinamento. Deus desejava que eu aprendesse a obediência, por isso ele dispôs que eu encontrasse muitas dificuldades. Assim, com o tempo, fui enchido de alegria e paz em meu caminho espiritual».
Outra importante lição espiritual que Nee recebeu da srta. Barber foi enfatizar a vida antes que a obra, pois a Deus importa mais o que somos do que o que fazemos para ele. Também lhe advertiu sobre o perigo da popularidade, que se constitui em um instrumento de sedução para os jovens pregadores.
Um episódio familiar ocorrido neste tempo deixou um profundo ensino em Nee. Deus lhe mostrou que durante as férias deveria ir pregar numa ilha infestada de piratas. Aceitou o chamado, e fez os preparativos. Quando tudo estava preparado, e muitos irmãos se comprometeram, seus pais lhe opuseram. O que fazer? Consultou a Deus e sentiu que devia obedecer a seus pais. Embora era o desejo de Deus que fosse pregar na ilha, esse propósito ficava em Suas mãos para seu cumprimento. Como To-Sheng não se sentiu com a liberdade de dar a conhecer as razões de sua deserção, ganhou uma generalizada repulsa por parte dos irmãos.
Mais tarde, pôde interpretar essa experiência objetivamente à luz da crucificação. A revelação da vontade de Deus pode ser clara, mas o cumprimento dessa vontade para nós pode ser em forma indireta. «Nossa estima de nós mesmos se alimenta e nutre porque dizemos: Eu estou fazendo a vontade de Deus! e nos leva a pensar que nada deve interferir em nosso caminho. Mas certo dia Deus permite que algo cruze em nosso caminho para rebater essa atitude. Do mesmo modo a cruz de Cristo, atravessa, não na nossa vontade egoísta, mas sim, embora pareça estranho, no nosso zelo e amor pelo Senhor! Isto é muito difícil de aceitar».
De fato, naquele momento, não foi capaz de fazê-lo.
Quando Nee concluiu seus estudos no Colégio Trindade, aos 21 anos de idade, teve a satisfação de ser um dos dois melhores alunos –junto a Wang Tse–, e sobre tudo, de ter ganho um grande número de convertidos, tanto no colégio, como na cidade e seus arredores. A criação de uma pequena revista mimeografada, O Presente Testemunho, cuja primeira tiragem foi de 1400 exemplares, tinha contribuído para o crescimento espiritual dos convertidos e dos obreiros jovens.
Uma desilusão amorosa
Na mesma cidade de Fuchou vivia uma família de sobrenome Chang. O pai, Chang Chuenkuan era um querido amigo cristão, que chegou a ser pastor da Aliança Cristã e Missionária, e parente longínquo do pai de To-Sheng. Seus filhos eram da mesma idade e as duas famílias caminhavam muito bem. A pequena Pin-huei (conhecida também como Charity) andava sempre correndo atrás de To-Sheng. Em suas travessuras e entretenimentos todos os consideravam como o «irmão mais velho».
Quando os jovens cresceram, To-Sheng começou a interessar-se por Pin-huei, sua ex-companheira, que era bonita e inteligente. Entretanto, seus interesses diferiam muito. Enquanto Nee fazia a firme decisão de dedicar-se plenamente a pregação do evangelho, Pin-huei se converteu em uma jovem mundana. Quando Nee lhe compartilhava o evangelho, ela zombava de Deus e dele.
Um dia que To-Sheng lia o Salmo 73:25: «Fora de ti nada desejo na terra», o Espírito de Deus o compungiu porque ele não podia dizer o mesmo. «Sei que tem um desejo consumidor na terra. Deve renunciar ao que sente pela senhorita Chang. Que qualidades tem ela para ser a esposa de um pregador?». Sua resposta foi uma tentativa de fazer um pacto com o Senhor. «Senhor, farei algo por ti. Se quiser que leve suas boas novas às tribos que ainda não foram alcançadas, inclusive no Tibete, estou disposto a ir; mas não posso fazer isto que me pede».
Com este sentimento atado ao seu coração, lançou-se a pregar o evangelho com maior afinco. Por outro lado, Pin-huei se entregou a uma vida de estudo e compromissos sociais.
Pouco tempo depois, ao comprovar que ela não se interessava pelas coisas do Senhor, mas sim persistia em seguir o mundo, decidiu esquecê-la. Foi a sua casa, ajoelhou-se e confiou o assunto de forma firme e definitivamente a Deus, e escreveu sua poesia «Amor sem limites». Era 13 de fevereiro de 1922.
Seu amor, amplo, alto, profundo, eterno,É na verdade imensurável,Pois só assim pôde abençoar tantoA um pecador como eu.Meu Senhor pagou um preço cruelPara me comprar e fazer-me dele.Não posso senão levar a sua cruz com gozoE lhe seguir firmemente até o fim.A tudo eu renuncioPois Cristo é agora a minha meta.Vida, morte, o que podem me importar?Por que tenho que lamentar o passado?Satanás, o mundo, a carneProcuram me apartar.Oh, Senhor, fortalece a sua frágil criatura,Não aconteça que traga desonra ao seu nome!(tradução livre)
Entretanto, Deus não havia dito a última palavra. Passariam ainda dez anos antes que este capítulo se fechasse.
Outras lições espirituais
Muitas lições espirituais foram aprendidas por Nee neste tempo. Por exemplo, recebeu um golpe no seu ego ao comprovar que muitas mulheres cristãs analfabetas, conheciam mais ao Senhor do que ele, apesar de todo o seu conhecimento bíblico. «Eu conhecia o livro que elas quase não podiam ler, enquanto que elas conheciam Aquele de quem fala o Livro».
Quanto ao seu sustento, também recebeu um ensino definitivo. Como já tinha deixado o Colégio, deveria pensar em como confiar em Deus para suprir suas necessidades materiais. As missionárias lhe tinham emprestado livros sobre as vidas de fé de Jorge Müller e Hudson Taylor, quem tinha crido inteiramente em Deus. A mesma Margaret Barber era um vivo exemplo disso. Assim, To-Sheng decidiu tomar o mesmo caminho.
Por este tempo teve também uma experiência especialmente dolorosa: por razões que não estão claras, foi excluído da comunhão com os irmãos. A decisão foi comunicada por carta quando ele estava longe. Como é natural, sua primeira reação foi de irritação, mas o Senhor falou em seu coração. Ao chegar à cidade, muitos irmãos lhe esperavam para solidarizar com ele, mas ele lhes disse que o Senhor não lhe permitia defender-se, que abandonaria a cidade para não provocar uma divisão, e que eles deveriam ficar quietos. Nesta situação ele aprendeu a quedar-se de maneira prática a tomar a cruz e seguir ao Senhor.
De um testemunho dado por Nee em outubro de 1936, pode-se deduzir que o motivo pôde ser a diferente ênfase em fazer a obra de Deus, o deles, era evangelístico, e o de Nee era a edificação das igrejas que iam nascendo. Um autor diz que a causa foi que Nee se opunha à ordenação de um deles por um missionário denominacional.
Seja como for, o certo é que, em pouco tempo, muitos deles se arrependeram de tê-lo excluído. Um deles disse: «Agimos muito nesciamente, mas possivelmente estávamos muito influenciados por ciúmes, pois o irmão Nee era muito mais dotado que nós».
Quando Nee era ofendido por alguém, não guardava rancor. Ao contrário, estava acostumado a dizer: «Os irmãos que pecam são como meninos que caem em um atoleiro com barro. Seus vestidos e cabelos se sujam. Mas dêem um banho neles e estarão novamente limpos. No futuro, todos os irmãos e irmãs serão pedras preciosas transparentes na Nova Jerusalém».
Outro forte golpe recebeu Nee em janeiro de 1925, quando foi sugerido por seu amigo Wang Tsai que não assistisse à convenção de Fuchou, porque as críticas à obra se centravam nele. Este pedido abalou sua paz em Cristo e o abateu numa profunda desilusão. Entretanto, recebeu do Senhor as seguintes palavras: «Deixa seus problemas comigo. Vai e prega as boas novas!».
Em uma dessas saídas para pregar, teve uma maravilhosa experiência com o povo de Mei-fuja, que Nee relata em seu livro «Sentem-se, Andem, Estejam firmes». Foi a esse povo com um pequeno grupo de seis jovens. Os vizinhos ali tinham anualmente uma celebração em honra ao seu deus Ta-wang. Eles confiavam tanto em seu deus, desta maneira não precisavam crer em Cristo. Um dos jovens cristãos desafiou ao deus Ta-wang, e Deus lhes deu uma maravilhosa vitória, humilhando ao ídolo e abrindo o caminho para a fé.
Um ministro preparado
Watchman Nee nunca freqüentou uma escola teológica ou Instituto bíblico. Mas estava consciente de que Deus queria servos preparados, por isso se dedicou a estudar e meditar na Palavra de Deus, e a ler extensamente tanto comentários bíblicos como biografias de destacados servos de Deus. Sua capacidade era tal, que podia compreender, e memorizar muito material de leitura em muito pouco tempo. Ele facilmente podia detectar os temas de um livro com uma rápida olhada.
Nee encontrou muita ajuda pessoal nos escritos de Andrew Murray e F. B. Meyer, sobre a vida prática de santidade e libertação do pecado. Também leu sobre Charles Finney, Evan Roberts e o avivamiento de Gales; pesquisou nos livros de Otto Stockmayer e Jessie Penn-Lewis sobre a alma e o espírito, e a vitória sobre o poder satânico. Seguindo o exemplo de Govett, Panton e Darby, Nee viu a necessidade de procurar uma forma mais primitiva de adoração que a oferecida pelas denominações, as que nesse tempo ofereciam já um triste espetáculo de frouxidão e religiosidade morta.
Por meio de M. Barber, Nee se familiarizou com os livros de Madame Guyon, D. M. Panton, Robert Govett, G. H. Pember, William Kelly, C. H. Mackintosh, entre outros.
No começo de seu ministério, ele investia um terço de seus ganhos em suas necessidades pessoais, um terço para ajudar a outros, e o terço restante para comprar livros. Ele fez um acordo com algumas livrarias de livros usados de Londres de que sempre que eles recebessem algum livro dos autores que lhe interessavam, que os remetessem imediatamente.
Ele chegou a ter uma coleção de mais de 3.000 volumes dos melhores livros cristãos. Quando ainda era um jovem, o quarto de Nee estava quase cheio de livros. Havia livro no chão, e uma pilha em cada lado da cama, deixando apenas espaço para deitar-se. Muitos comentavam que ele estava enterrado em livros. Entretanto, sua principal leitura sempre foi a Bíblia, que lia sistematicamente cada dia, até completar ao menos uma leitura do Novo Testamento ao mês.
Apesar de sua saúde ser precária, repartia seu tempo entre seus estudos, a obra, e a edição de sua pequena Revista cristã. A revista era publicada em forma irregular à medida que Deus lhe enviava dinheiro por meio de pequenas ofertas, e era distribuída sem peso. Seu nome começou a ser conhecido, e já recebia convites para dar seu testemunho e pregar.
Sua mensagem era muito nova para a sua época, pois expunha de forma singela e clara que o único caminho para Deus é por meio da obra consumada de Cristo. Muitos cristãos se esforçavam por obter a salvação com base nas suas próprias obras, o que, a princípio, não se diferenciava muito do budismo. Pregava também que para os crentes não era suficiente receber o perdão dos pecados e a segurança da salvação, pois só representava o ponto de partida. Era um evangelho para os crentes.
Nos próximos anos, o peregrinar espiritual de Nee o levou a ministrar a estudantes de Colégios e Seminários, a colaborar com a revista Luz Espiritual, dirigida por Li Yuen-ju, a trocar o nome de sua própria revista Avivamento, por o de O Cristão, e a estabelecer em Shangai a sua base de operações.
Enfrentando uma grande prova
Entretanto, o que abalou profundamente sua vida neste tempo foi um problema de saúde. Os problemas tinham começado em 1924 com apenas uma leve dor no peito. O médico que o examinou lhe disse que era uma tuberculose, por isso seria necessário um prolongado descanso. Passados alguns meses de cuidados especiais, a enfermidade não cedia. Um novo exame indicou que a enfermidade tinha avançado. O prognóstico do médico foi muito desalentador: «Tem tuberculose avançada em seus pulmões. Volte para sua casa, descanse e coma mantimentos nutritivos. É tudo o que pode fazer. Pode ser que melhore.» Todas as tardes tinha febre e pelas noites transpirava e não conseguia dormir. Para pregar tinha que realizar um imenso esforço, que o deixava exausto.
Tinha tido tantos planos, tantas esperanças de grandes coisas. Agora Deus lhe dizia que não. Começou a examinar-se. Surgiu nele um desejo de ser puro diante de Deus, confessando pecados, procurando assim uma explicação do que ele pensava ser o aborrecimento de Deus.
Quando retornou a Fuchou por causa de assuntos familiares, Nee teve uma experiência inesquecível. Por esses dias andava muito debilitado e doente; seu aspecto era bastante deplorável para um jovem como ele. Encontrou-se na rua com um antigo professor do Colégio Trindade. Por tradição, os estudantes chineses têm em alta estima os seus professores, voltando para eles para lhes agradecer cada vez que obtinham algum êxito. O professor o convidou para tomar chá, e censurou o seu fracasso: «Tínhamos um alto conceito de você na escola e tínhamos esperanças de que conseguiria algo importante. Não andou nem um centímetro para frente? Não progrediste? Não tem carreira, nada? Nee, por um momento, sentiu-se muito envergonhado. Mas de repente, segundo conta, «soube o que era ter o Espírito de glória sobre mim. Podia levantar os olhos e dizer: Senhor, te louvo porque tenho escolhido o melhor caminho. Para meu professor era um desperdício total servir ao Senhor Jesus; mas essa é a finalidade do evangelho: entregar tudo a Deus».
Mas sua enfermidade não cedia, e sua mãe, Fujo-ping teve a impressão, ao lhe ver, que lhe faltava muito pouco tempo. Nesses dias recebeu nova luz em 2 Corintios, a carta autobiográfica de Paulo, sobre o vaso de barro, que lhe animou e consolou em sua própria fraqueza.
Dentro das forças que escassamente possuía, se dedicou a tarefa de terminar um livro que tinha começado pouco tempo antes, sobre o homem de Deus, que descrevia em forma conscienciosa o espírito, alma e corpo. Logo depois de escrever alguns capítulos, o abandonou por considerá-lo muito teórico; mas, em vista do pouco tempo que restava, decidiu tentar terminá-lo. Parecia-lhe que seria uma perda não compartilhar a respeito das suas experiências espirituais antes de morrer.
Graças à oração persistente e o apoio de numerosos irmãos e irmãs, conseguiu concluir em quatro meses o primeiro volume do Homem Espiritual. Para escrever, sentava-se em uma cadeira de encosto alto e apertava seu peito contra a escrivaninha para aliviar a dor. Da irmã Ruth Lee recebeu ajuda para a revisão literária do livro, e o publicou em Shangai. Alguns anos depois, em junho de 1928, Nee conseguiu terminar o restante.
Foi o primeiro livro que escreveu e o último, pois todos os seus outros livros são recopilações de mensagens orais. Mais tarde, Nee não aceitou fazer novas reimpressões do Homem Espiritual, porque lhe parecia muito perfeito e sistemático. Pensava que os leitores corriam o perigo de um entendimento intelectual das verdades, sem sentir a necessidade do Espírito Santo. Além disso, a parte sobre a luta espiritual enfatizava só o aspecto individual, mas mais tarde teve mais luz para ver que era um assunto do Corpo de Cristo e não do indivíduo.
Depois de concluído o livro, Nee orou a Deus: «Agora permite a seu servo partir em paz». Nesses dias, sua enfermidade piorou a tal ponto que pelas noites suava copiosamente, e não conseguia dormir. Era apenas pele e ossos. Sua voz estava rouca. Algumas irmãs se alternavam para atendê-lo. Uma enfermeira que o visitou disse: «Nunca vi um doente com uma condição tão lamentável». Um irmão telegrafou às igrejas de diferentes lugares, avisando que já não havia esperança, que não precisavam orar mais por ele.
Enquanto orava ao Senhor em seu leito de enfermidade, Nee recebeu três palavras do Senhor: «O justo viverá pela fé» (Rom. 1:17); «Porque pela fé estão firmes» (2 Co. 1:24); e «Porque por fé andamos» (2 Co. 5:17). Nee creu que essas palavras significavam sua saúde. Assim, lutando contra sua incredulidade, e contra os sussurros de Satanás, levantou-se com grande dificuldade, pôs sua roupa que fazia quase seis meses que não usava, e se pôs em pé, repetindo as palavras recebidas.
Sentiu que o Senhor lhe dizia que fosse à casa da irmã Ruth Lee. Ali, a vários dias, havia um grupo de irmãos e irmãs orando e jejuando por sua saúde. Quando abriu a porta e viu a escada lhe pareceu a mais alta que tinha visto em sua vida (pois estava em um segundo piso). «Disse a Deus: –conta Nee– «Ainda que me disse que ande, farei-o, ainda que a conseqüência seja a morte. Senhor, não posso andar; por favor, sustente-me com a sua mão». Apoiando-me no corrimão desci degrau por degrau, novamente suando frio. À medida que descia seguia clamando «andar por fé», e a cada degrau orava: «OH Senhor, você é quem me faz caminhar». À medida que descia os 25 degraus, era como se estivesse, pela fé, com minhas mãos nas mãos do Senhor. Ao chegar ao final, senti-me fortalecido e caminhei com rapidez para a porta do fundo. Ao chegar à casa da irmã Lee, golpeei a porta como fez Pedro (At. 12:12-17), e ao entrar, sete dos oito irmãos e irmãs puseram seus olhos em mim, sem fazer nem dizer nada, e a seguir, todos se sentaram ali quietos por quase uma hora, como se Deus tivesse aparecido entre os homens. Ao mesmo tempo, eu me senti cheio de ações de graças e de louvores ao Senhor. Então lhes relatei tudo o aconteceu no transcurso de minha cura. Cheios de alegria até o júbilo no espírito, louvamos em alta voz a maravilhosa obra de Deus... No domingo seguinte, falei três horas de uma plataforma».
Mais tarde confessaria que durante aqueles longos dias de prostração, ele recebeu luz para ver as diretrizes que deveria ter a obra que Deus lhe tinha chamado para realizar: obra de literatura, reuniões para «vencedores», edificação das igrejas e treinamento de jovens.
Entretanto, mesmo quando foi curado milagrosamente da tuberculose, padeceu de uma angina de peito por quarenta e cinco anos, da qual não foi curado. Freqüentemente, ele sofria de fortes dores, até no meio das pregações, que lhe obrigavam a apoiar-se no púlpito. Deus permitiu dessa maneira que ele vivesse em contínua dependência de Deus para desenvolver o seu ministério.
Crescimento e influências
No princípio de 1928 Nee arrendou uma casa na rua Wen Teh Li, em Shangai, que foi a sede da obra a partir de então. Ali teve lugar nesse mesmo ano a primeira Conferência de Shangai, em um pequeno salão para 100 pessoas.
Em maio de 1930 teve a tristeza de saber que Margaret Barber tinha partido com o Senhor. Muitas vezes depois, Nee teria que reconhecer que dela aprendeu as mais valiosas lições espirituais em sua vida. Na Bíblia que lhe legou estava a seguinte inscrição: «OH Deus, me dê uma completa revelação de ti mesmo», e em outro lugar: «Não quero nada para mim mesma, quero tudo para o meu Senhor». Ela morreu tal como sempre viveu: sem um centavo em sua bolsa, mas rica em Deus. «Como pobre, mas enriquecendo a muitos ...»
Outros homens de Deus, estrangeiros, iriam ser um grato alento e edificação para Nee. Pimeiramente foi C. H. Judd, e depois Thornton Stearns. Mais tarde também o seria Elizabet Fischbacher.
T. Stearns era catedrático da Universidade de Chefú, que tinha um grupo de oração e estudo bíblico composto por professores e alunos dessa universidade. Nee foi convidado em 1931 a dirigir uma série de reuniões para eles, com grande êxito. Muitos jovens se agregaram à fé.
Comunhão com os Irmãos
Em novembro de 1930, Nee e os irmãos conheceram Carlos R. Barlow, e através dele, os principais expoentes do grupo dos Irmãos de Londres (da facção «exclusivista»). Entre eles surgiu uma entusiasta comunhão, que originou em uma viagem de Nee a Londres e aos Estados Unidos.
Na Inglaterra foi muito bem recebido, e com estranheza, por tratar-se de um jovem chinês que mostrava grande maturidade espiritual. Nee teve grande admiração por sua erudição bíblica, mas se impacientou ao ver sua arrogância e sua inclinação pelos longos debates teológicos.
A comunhão ficou impedida rapidamente pelo excessivo zelo dos Irmãos, que se incomodaram porque Nee participou em Londres da Mesa do Senhor com outros irmãos. Isto trouxe consigo uma longa e triste série de conversações, que derivaram, posteriormente, na ruptura dos Irmãos.
O dia do gozo
Em 1934 concluiu a longa espera de Nee por uma esposa. Para sua surpresa, Chan Pin-huei voltou-se para o Senhor em Wen Teh Li, depois de acabar seus estudos de inglês na Universidade de Yenching. Era uma jovem muito culta, formosa, e agora, muito humilde e temente a Deus. Depois de longas considerações e muita oração, decidiu pedi-la em matrimônio. A oposição não foi pequena, tanto de alguns familiares dela –por casar-se com um «pregador desprezado»–; como dos irmãos, que quase o idolatravam, ao julgar que um homem de oração como ele não deveria preocupar-se com coisas tais como sexo e a procriação.
Em 19 de outubro desse ano, depois de concluir a quarta Conferência de Vencedores em Hangchou, casaram-se, no mesmo dia do aniversário matrimonial dos pais de Nee. Deram graças a Deus rodeados de irmãos, e cantando o hino que escreveu a sua amada dez anos antes.
Prematuramente, Watchman Nee conheceu o dissabor da maledicência. Recém casado, uma tia de sua esposa deu rédeas a sua irritação pelo enlace de sua sobrinha com tal indivíduo, publicando em um jornal de ampla difusão uma série de injúrias contra Nee, durante uma semana inteira. Ela o acusava de ser um pregador de baixa moral, sustentado por recursos estrangeiros.
O impacto sobre o ânimo de Nee foi muito forte, levando-o quase à depressão. Entretanto, várias experiências alentadoras viriam para tirar-lhe desse estado.
Além disso, a obra que se expandia reclamava a sua atenção. Dois foram os meios que permitiram esta expansão. Uma, a ampla difusão que tiveram as publicações de Nee entre cristãos de todas as filiações. Sua claridade e simplicidade para expor as doutrinas bíblicas foram de grande ajuda para os recém convertidos. O segundo, foi o uso espontâneo do lar dos crentes como centros para o desenvolvimento de novas igrejas. Grupos de oração surgiam em cada nova cidade aonde os cristãos se mudavam. A isto se somava o trabalho dos obreiros, que evangelizavam e estabeleciam novas igrejas. Em 1938, Nee declarou que havia 128 'apóstolos' dedicados à obra. Alguns deles no estrangeiro: Filipinas, Singapura, Malásia e Indonésia. O mesmo Nee visitou Manila em 1937.
No ano de 1935 se uniu a Nee Chiang Sho Dao, mais conhecido como Stephen Kaung. Proveniente de uma família metodista conheceu a Nee em uma conferência em uma universidade em Shangai, onde Kaung estudava. Kaung viria a ser posteriormente um dos mais fiéis colaboradores, e continuadores da obra de Nee no Ocidente, e o é até o dia de hoje.
As novas necessidades que surgiam conduziram Nee a deixar de lado parcialmente os ensinos sobre a vida interior do cristão, para aproximar-se a assuntos mais técnicos e práticos da obra e as igrejas. Tanto é assim que foi publicou em 1938 o livro Revendo a Obra, conhecido hoje sob o título A Igreja Normal. Este livro foi objeto de muita polêmica, embora tenha realizado uma contribuição inquestionável para uma visão mais clara do modelo apostólico da igreja.
Um frutífero percurso pela Europa
Neste mesmo ano, Nee fez uma viagem a Europa, onde conheceu pessoalmente a T. Austin-Sparks, de quem tinha sido um ávido leitor. Com ele assistiu à Conferência de Keswick, na Inglaterra. Por este tempo, rompeu-se em toda a sua crueldade a guerra chinês-japonesa. Quando foi tocado para falar, Nee dirigiu à reunião em intercessão pelo longínquo oriente, em tais termos que deixou sinais indeléveis nos que lhe escutaram.
A. I. Kinnear, um dos seus biógrafos, estava presente naquela ocasião: "Foi uma oração que os presentes jamais esqueceram: 'O Senhor reina; afirmamos ousadamente. Nosso Senhor Jesus Cristo está reinando, e ele é Senhor de tudo. Nada pode tocar a sua autoridade. São forças espirituais que estão decididas a destruir os seus interesses na China e no Japão. Portanto, não rogamos pela China nem tampouco pelo Japão, mas sim rogamos pelos interesses do seu Filho nesses dois países. Não culpamos a nenhum homem, pois são somente instrumentos nas mãos do seu inimigo. Nós desejamos a sua vontade. Quebra, Oh Senhor, o reino das trevas, pois as perseguições à sua igreja estão ferindo a ti. Amém".
Durante a Conferência falou sobre as qualidades necessárias para um missionário, e, apoiado na epístola aos Romanos, falou sobre "A obra do Senhor para a nossa salvação: o Senhor mesmo como nossa vida". Foi muito significativo que no fim de semana tenha participado da grande reunião de comunhão sob o lema: "Todos um em Cristo Jesus".
A. I. Kinnear fala assim de sua experiência pessoal com Nee: "Quando falava em público, seu excelente domínio do idioma inglês, junto com as suas maneiras agradáveis, produzia um deleite ao escutar-lhe. Mas era o conteúdo das suas mensagens que nos cativou. Não desperdiçava palavra, mas sim ia direto ao assunto e assinalava algum problema da vida cristã que nos preocupava desde tempos atrás, ou nos confrontava com alguma demanda de Deus que tínhamos deixado de lado".
Quanto a manter a comunhão com o Senhor, Nee estava acostumado a usar o seguinte exemplo: "Suponha que um trem esteja viajando de Szchuan para Kunmim. Ele deve passar por muitos túneis. Às vezes está viajando na escuridão, às vezes na luz. A experiência da comunhão de um cristão com o Senhor é igual. Se estiver na escuridão, ele primeiro deve confessar o seu pecado. Se não houver nenhum sentimento de pecado, deve exercitar a sua vontade para continuar na comunhão".
Enquanto estava na Inglaterra, Nee recebeu a triste notícia de que Pin-huei tinha perdido o filho que esperavam. Pin-huei não voltou a conceber, e o matrimônio não chegou a compartilhar o gozo de ter filhos.
Em outubro, Nee foi convidado para a Dinamarca para celebrar reuniões. Em Copenhague, deu uma série de mensagens sobre Romanos 5 ao 8 intitulados A Vida cristã Normal. Estes, junto com outros sobre o mesmo tema, formaram mais tarde os livros que levam o próprio nome e o A Cruz na Vida Cristã Normal. Passando por Odense, deu uma notável palestra sobre as palavras chaves de Efésios: Sentem-se, Andem, Estejam Firmes, que logo foi publicado em forma de livro.
Quando chegou a Paris, retornando da Noruega, Alemanha e Suíça, encontrou uma carta dos seus colaboradores em Shangai insistindo-lhe a considerar mais a fundo o problema da aplicação prática do Corpo de Cristo com o seu novo amigo e conselheiro Austin-Sparks. Entretanto, Austin Sparks tinha escolhido enfatizar melhor o Corpo figurado de Cristo e a liberdade do Espírito para dar-lhe hoje uma variedade de expressões sobre a terra, em cada uma um testemunho da Cabeça que está no céu. De maneira que embora a compreensão e amizade entre eles fossem profundas, neste particular custou a eles entrar em acordo. Não tinham desacordo quanto ao vinho novo, mas a preocupação de Nee se firmava nos odres que o continham.
Ali em Paris, com a ajuda de Elizabet Fischbacher, traduziu para o inglês o seu livro Revendo a Obra, que foi publicado na Inglaterra em maio de 1939.
Voltando a Shangai
Voltando a Shangai, teve que atender outros assuntos. Um deles era a estreiteza do local da rua Wen The Li. Tinham anexado duas casas à primeira, mas o espaço ainda era pequeno. Mais tarde seriam adicionadas outras duas, obrigando a uma nova distribuição cada vez.
Alguém descreveu assim a cena nessas reuniões: "no domingo pela manhã muitas pessoas se reúnem em silencio às 9:30 para escutar a pregação da Palavra. As mulheres de um lado e os homens do outro, sendo o salão mais largo do que comprido. Nos bancos sem encosto todos devem sentar-se o mais junto possível para aproveitar ao máximo o espaço, pois nos três lados da parte exterior do edifício tem pessoas escutando pelas janelas e diante da ampla porta de duas folhas, ou por alto-falantes. Outros estão reunidos no piso superior. Junto com os pobres estão os cultos e os ricos: doutores juntos com operários, advogados e professores com serventes e cozinheiros. Entre as irmãs modestamente vestidas há muitas mulheres e moças modernas com penteados da moda e maquiagem, mangas curtas e vestidos de seda com cortes nas laterais. Os meninos brincam de correr de um lado para o outro, os cachorros entram e saem, os vendedores ambulantes passam pela rua, ouvem-se as buzinas dos carros e os alto-falantes soam distorcidos. Mas cada domingo é pregado fielmente a palavra da cruz. É dado o alimento mais sólido e um desafio claro".
Em suas pregações, Nee mantinha a atenção com as suas maneiras suaves, seu raciocínio singelo, mas exaustivo e com as suas analogias muito adequadas. Jamais foi visto ele utilizar notas, mas recordava e podia reproduzir algo que tinha lido. Para ilustrar algo, visualmente desenhava no ar um quadro imaginário, e para ilustrar algum ponto contava uma anedota pessoal, quase sempre era contra si. Seu agudo senso de humor produzia freqüentemente risadas no auditório e ninguém dormia em suas reuniões. Mas do principio ao fim jamais se desviava do seu tema.
Quanto à orientação do Senhor para a obra, Nee era muito aguçado em seu discernimento e rápido em tomar decisões. Explicando por que era assim, dizia: "Se me equivocar, o Senhor usará o muro e a mula para me frear, assim como fez com Balaão".
Sua esposa, sempre presente, calada e reservada, preferia manter um pouco afastada do grupo, mas o apoiava em tudo o que ele fazia.
Na primavera de 1940, Nee deu uma série de estudos muito práticos sobre Abraão, Isaque e Jacó, sob o título Os tratamentos de Deus em seu Povo, que foi publicado mais tarde sob o título Transformados em sua semelhança. Como efeito de sua viagem a Europa, sua pregação sobre a igreja chegou a ser mais espiritual ou mística. "A Igreja, Os Vencedores e o Eterno Propósito de Deus" foi o tema de suas mensagens na Primeira Conferência, e que seguiu um curso muito completo sobre "a Igreja, o Corpo e o Mistério".
Outra vez sob a disciplina do Senhor
Por este tempo, o ministério de Nee experimentou uma virada importante. As condições econômicas na China se tornaram muito difíceis por causa das contínuas guerras. Muitos obreiros que serviam em tempo completo começaram a ter necessidades. Nee tinha se encarregado do sustento de muitos deles, mas agora se via limitado para ajudá-los. Desalentado por este problema que se agravava com o passar dos meses, Nee tomou uma decisão que foi muito resistida por alguns.
Seu irmão Huai-tsu, doutor em Química, tinha formado um centro de investigação em seu próprio laboratório. Também tinha estabelecido em Shangai uma drogaria para a fabricação e distribuição de medicamentos. Sendo Huai-tsu um bom professor e cientista, mas um péssimo homem de negócios, a empresa não prosperava. Eles esperavam que Nee socorresse o seu irmão, embora ele ajudasse a tantos irmãos. Mas como não o fazia, os pais chegaram a criticá-lo por isso.
Nee viu que ali havia um potencial. A empresa, por não estar diretamente ligada com a guerra, poderia prosperar, pois supria uma necessidade para o país. Assim, teve a idéia de formar uma companhia associada para a fabricação de remédios de primeira qualidade, empregando a experiência de seu irmão como químico e doando os lucros para a obra do Senhor. Assim nasceu "Laboratórios Biológicos e Químicos da China", com domicilio em Shangai.
No princípio Nee, como presidente do diretório, deixou as coisas nas mãos do gerente C. L. Yin, e só vigiava as operações ocasionalmente, vestindo um traje moderno de homem de negócios para as entrevistas, e pondo em seguida sua humilde vestimenta habitual para visitar os crentes.
Muitos pensavam que Nee tinha abandonado a obra. Quando um grupo de irmãos visitou-lhe e interrogou-lhe a respeito, ele disse: "Só estou fazendo o que Paulo fez em Corinto e em Éfeso. É algo excepcional e só dedico uma hora diária para capacitar os representantes da companhia; em seguida faço a obra do Senhor". Quando insistiam, ele replicava: "Sou como uma mulher que ficou viúva e tem que sair para trabalhar por necessidade". Entretanto, mais tarde, ele reconheceu que havia outras razões: uma delas era a pesada monotonia de sua rotina diária.
Este novo modo de vida foi questionado pelos quatro anciões da igreja em Shangai. Tinham mudado o seu conceito a respeito dele e chegaram a considerá-lo um desertor. Assim, no final de 1942 pediram-lhe que se abstivesse de pregar em Wen Teh Li. O impacto que esta decisão produziu nos irmãos foi severo e, como é evidente, deu lugar a muitas especulações. Alguns criticavam inclusive os almoços de Nee com pessoas do mundo.
Em razão do silêncio que mantiveram os anciões, ele sentia que todo o seu testemunho estava em jogo. No entanto, a causa do grande número de obreiros que dependia dele, não sentiu liberdade para revogar a sua decisão. Não procurou justificar-se a si mesmo, mas sim aceitou a decisão dos anciões como uma disciplina de Deus, quem há seu tempo justificaria tal ação.
Sua esposa, que lhe ajudava no laboratório, não podia entendê-lo. Certo dia ouviu Nee respondendo a um chamado telefônico no qual a outra pessoa falava com voz forte durante longo tempo. Ele se limitou a escutar, respondendo de vez em quando: "Sim... sim... obrigado... obrigado". "Quem era o que te falava dessa forma?", perguntou-lhe quando pendurou o telefone. "Era um irmão que me dizia todo o mal que eu estava fazendo". "E é culpado de tudo isso?", lhe perguntou ela. "Não", replicou. "Então, por que não lhe deu uma explicação em vez de dizer 'obrigado'?", exclamou impacientemente. "Se alguém exalta a Nee To Sheng até o céu", respondeu-lhe, "segue sendo Nee To Sheng. E se alguém o pisoteia até o inferno, segue sendo Nee To Sheng".
Em outra oportunidade perguntaram-lhe por que não tratava de dar explicações, evitando assim ser mal interpretado. Ele respondeu: "Se as pessoas confiarem em nós, não é necessário explicar; se elas não confiarem em nós, não serve de nada explicar". Ele não só não se justificava quando era caluniado, mas tampouco argumentava nem discutia quando era repreendido pessoalmente por alguém. Nee dizia: "quanto mais baixo colocamos algo, mais seguro estará. É mais seguro pôr uma taça no piso".
Típico de sua maneira de ser, sabe-se que inclusive enviou ajuda econômica secretamente a alguns dos irmãos que se opunham a sua conduta. Os lucros de sua empresa eram dedicados inteiramente ao sustento dos obreiros. Também investiu dinheiro na aquisição de um centro de treinamento, com umas doze cabanas, no Monte Kuling, perto de Fuchou, e para a construção de um novo local de reuniões em Shangai.
Certa vez, Nee foi repreendido por um empregado durante um longo tempo. Nee estava sentado calmamente em uma cadeira, com um jornal na mão, sem mostrar nenhuma mudança em sua expressão. Quando os vizinhos se deram conta de que o empregado estava atuando mal, intervieram.
Nee cria que o Espírito de Deus nos disciplina por meio de todas as coisas que nos acontecem. Deus prepara cada detalhe do ambiente que nos rodeia, a fim de tirar de nós o que somos naturalmente, e nos conformar à imagem de Cristo. Todas as coisas de nossa vida natural devem ser tiradas, para que o nosso ser possa ser constituído pelo Espírito Santo com a vida divina. Nee aprendeu a aceitar todo tipo de circunstâncias sem murmurar, acusar, ou criticar. Considerava tudo uma disciplina do Espírito Santo; cria que todas as coisas colaboravam para o seu bem espiritual. Quem o conheceu via ele sempre calmo, em paz, e disposto a aceitar todo tipo de situação.
No Laboratório logo surgiram problemas que não havia previsto, e as demandas do negócio logo começaram a ocupar cada vez mais o seu tempo. Havia lutas comerciais e uma competição exagerada com as outras companhias. Houve queixa dos acionistas, e inclusive houve acidentes. Seus dons para organizar e conciliar foram utilizados ao máximo em uma situação delicada em si mesma e agravados pela guerra.
Apressado pelas necessidades, Nee aceitou um emprego no governo. Por causa de sua rica experiência no Senhor, era um funcionário muito eficiente. Todos os seus superiores o admiravam. Ele nunca tentou demonstrar que era superior; ao contrário, vivia e trabalhava em uma atitude de submissão e acatava as ordens dos seus chefes. Quando a guerra terminou, ofereceram-lhe um alto cargo, entretanto, ele o recusou por causa de sua chamada para fazer a obra de Deus.
Sua grande habilidade levou a empresa a ocupar o primeiro lugar entre os produtores e importadores de remédios na China. Nos dois anos e meio seguintes viajou muito, e eventualmente também ministrava a Palavra em outros lugares. Em 1945 deu uma série de palestras sobre as Sete Igrejas da Ásia, identificando-as com fases da história da Igreja. Entretanto, não se sentia com liberdade para partir o pão com os irmãos.
Em Chunkin, pediram-lhe que participasse da mesa do Senhor. Entretanto, ele não o fez; simplesmente se sentou e orou em silêncio. Quando lhe perguntaram o motivo, ele disse: "O problema com a igreja em Shangai ainda não foi resolvido; portanto não posso partir o pão aqui". Alguém lhe perguntou quando reassumiria o seu ministério, e ele respondeu: "Não há nenhuma possibilidade".
Em sua dupla função de homem de negócios e ministro de Deus cresceu intelectualmente como nunca antes e gozava disso, mas seu físico frágil começou a ressentir. As demandas do seu negócio eram tantas que sobrava pouca força para ocupar-se diretamente na obra do Senhor.
Quando terminou a invasão japonesa, Nee começou a fazer planos para desligar-se do laboratório. Em Shangai as portas ainda estavam fechadas para ele. Mas não só ele tinha problemas; a igreja também. Por causa da guerra, tinham dificuldades para reunir-se em Wen Teh Li, e só podiam fazê-lo pelas casas. Agora, pouco a pouco, começavam as atividades novamente.
Em meados de 1946, Nee pediu a Lee Shang-chou (Witness Lee), que mudasse de Chefú para Shangai para ajudar na obra. Lee mudou-se e foi de muita ajuda. Seu caráter autoritário e seus dotes de organizador devolveram a ordem para a igreja dispersa. Estabeleceu-se um estrito programa de reuniões e ordem por distritos. Entretanto, em pouco tempo, a liberdade do Espírito começou a se perder. Inclusive chegou-se a instalar um sistema de relógios para registrar a hora de chegada de cada crente, e "se fechou" zelosamente a mesa do Senhor. A disciplina e a sujeição foram a palavra de ordem desse tempo. Nee estava ausente.
No coração dos que tinham a responsabilidade nas igrejas, havia grande preocupação pela prolongada ausência de Nee. Já em 1946, Lee tinha perguntado aos anciões em Shangai: "Atuaram no Espírito quando tomaram a decisão de excluí-lo? Qual foi o efeito? Podem dizer se tal decisão produziu vida?". Com tristeza tiveram que responder negativamente.
Remindo o tempo
No verão de 1947, Nee compartilhou uma série de mensagens que se reuniram sob o título A Liberação do Espírito, que tratam do quebrantamento necessário como condição para a liberação do poder divino no crente. Também dirigiu reuniões para estudantes universitários, tanto em Shangai como em Fuchou, sua cidade natal.
As últimas ênfases nos últimos ensinos de Nee têm a ver com três tópicos principais: a disciplina do Espírito Santo, o quebrantamento do homem exterior (a alma), e a liberação do espírito. Embora o Espírito Santo habite em nós, se nosso homem exterior não for quebrantado, nosso espírito jamais poderá ser liberado, mas sim ficará aprisionado em nosso interior. Por isso, o homem exterior deve ser quebrantado a fim de que o homem interior (o espírito humano com o Espírito Santo) possa ser liberado. Este quebrantamento se produz através das circunstâncias de nossa vida, ordenadas pelo Espírito Santo. Quando se produz a liberação do espírito, aqueles que nos escutam são vivificados. E nisto consiste, em definitivo, a obra de Deus.
No início de 1948, em reunião com vários obreiros, entre eles Lee, Nee delineou um plano de ação para a obra que estabelecia Fuchou como o centro. Este plano surgiu a partir de uma nova luz do livro de Atos, onde se viu que a ênfase da obra é regional. Desde Fuchou (e outros centros regionais) esperava-se abranger toda a região adjacente, mediante o envio de obreiros e o traslado de famílias.
Através de Lee, os anciões de Shangai convidaram Nee para dirigir uma Conferência em Wen Teh Li, no mês de abril. Quando Nee chegou, encontrou uns sessenta obreiros e mais de trinta anciões de todas as partes da China, junto com os de Shangai mesmo. Nee se reuniu primeiro com os anciões de Wen Teh Li, e, na presença de Deus, fez uma ampla confissão de suas próprias falhas durante os últimos anos. Com este ato de reconciliação foi restaurada finalmente a comunhão entre eles. Tinham passado seis anos.
Entretanto, em Shangai havia muitas inovações. Estabeleceu-se uma forma de hierarquia entre os de maior responsabilidade que os fazia ocupar cadeiras mais elevadas. Por unanimidade, a Nee reservaram a mais alta. Os irmãos tinham esperado com muita expectativa o seu retorno. Aqueles dias, eles encheram o recinto. Uma de suas primeiras mensagens se apoiou nas palavras de Jesus: "Dêem a Deus o que é de Deus" (Mc. 12:17). O efeito foi tremendo. Muitos se voltaram para o Senhor. Em menos de um mês, cerca de duzentos novos crentes tinham sido batizados. O lugar de reunião, que tinha capacidade para 400 pessoas, reuniam mais de 1500, alguns sentados nas escadas, nos salões contíguos, ou na rua.
Já tinham difundido a notícia de que Nee tinha doado o laboratório para a igreja. Como conseqüência, no meio de uma grande gritaria, muitos se consagravam a Deus trazendo ofertas em dinheiro para a extensão da obra. Outros traziam doações em mercadoria. Alguns entregavam suas empresas para o uso da igreja. Tal coisa nunca se havia visto na China antes. Era um retorno a Atos 4 com as suas benções.
O problema que se apresentou depois foi que as igrejas tiveram uma prosperidade material sem precedentes. Controlavam grande quantidade de recursos e dirigiam empresas justo no momento quando a palavra 'capitalista' começava a ser um termo de desonra, e quando a mera possessão de riquezas causariam suspeitas.
O programa de capacitação para obreiros foi retomado em Fuchou. Em meados de junho de 1948 mais de cem jovens de várias cidades se reuniram no afastado e tranqüilo monte Kuling, onde Nee entregou variados ensinos por vários meses. Essas mensagens foram reunidas e publicadas sob os seguintes títulos: "O operário cristão", "O ministério da Palavra de Deus", "Lições para novos crentes" (52 lições), "A Autoridade Espiritual", "Os Assuntos da Igreja", "Esquadrinhem as Escrituras", "Conversas adicionais sobre a Vida da Igreja".
Quando Nee se dirigia aos obreiros, era como se abrissem as comportas que tinham estado sob pressão durante muito tempo. Caminhava de um lado para outro com as mãos às costas, falando com todo o coração. Logo depois de suas palestras, dava tempo para perguntas. Suas respostas foram de muito valor, jamais evasivas, e sempre francas e diretas. Sua sensibilidade espiritual tinha alcançado tal desenvolvimento, que era capaz de discernir a condição dos demais de maneira cabal, e ajudá-los. Seu caráter era muito doce e suave, expressão clara de sua maturidade espiritual.
Cada manhã havia uma sessão dedicada a testemunhos individuais, onde um obreiro podia falar por uma meia hora, depois os outros expressavam as suas críticas, e finalmente Nee resumia tudo para benefício daquele que tinha testemunhado.
Todo o programa de capacitação era conduzido sob um sentido de urgência -Nee falava entre sete e oito horas diárias- pois o futuro político da nação era desconhecido. A revolução de Mao tomava cada vez mais força.
Preparando-se para o inverno
Em seu regresso a Shangai, Nee encontrou um clima de grande agitação política e social. Da leitura de Marx e Engels, Nee previu que se fosse estabelecido o marxismo na China, as condições para a igreja seriam extremamente difíceis. Aos jovens presentes, disse-lhes: "Quando os mais velhos caem, vocês devem seguir adiante". Nee pensava que, no máximo, teriam uns cinco anos para fazer a obra de Deus com liberdade.
No entanto, no início de 1949 a situação já mostrava sinais preocupantes. Nee instruiu a Lee que fizesse os acertos para deslocar-se com a sua família até Taiwan. Outros obreiros foram enviados a Singapura e Filipinas. A esposa de Nee e outras mulheres foram enviadas a Hong Kong. O Treinamento de Kuling foi cancelado abruptamente, e em Shangai foi inaugurado o novo local na rua Nanyang, com capacidade para 4000 pessoas.
Quando o Exército da Libertação entrou em Shangai em maio de 1949, Nee estava ali. Em um primeiro momento não houve restrições para a igreja, de modo que Nee pôde dar estudos bíblicos todas as semanas. Em outubro do mesmo ano, foi proclamada a República Popular da China com Mao Tse-tung como Presidente.
Enquanto foi possível, Nee viajou pelas principais cidades, e também a Taiwan, onde respirava a igreja nascente. A última vez que Nee visitou Taiwan, os irmãos, entre eles Witness Lee e Stephen Kaung, procuraram retê-lo, pois a situação em Shangai era muito arriscada. Nee respondeu-lhes: "demorou tanto tempo para levantar a igreja ali, posso abandoná-la agora? Os apóstolos, acaso, não ficaram em Jerusalém sob condições similares?". Na última noite voltaram a rogar a Nee que não retornasse. "Se voltar, pode significar o fim", disseram-lhe. Mas Nee tinha recebido um telegrama dos anciões de Shangai informando-lhe de seus muitos problemas e rogando-lhe que voltasse o quanto antes possível. Mesmo assim, os irmãos insistiram pela última vez a que não retornasse. Nee exclamou: "Não tenho cuidado da minha vida! Se a casa está caindo e meus filhos estão dentro, devo sustentá-la até com a minha cabeça se for necessário".
Voltando a Shangai, mandou chamar a Pin-huei para que se reunisse com ele, e pouco depois falou com os obreiros sobre como "aproveitar o tempo porque os dias são maus". Nee pensava que era possível e necessária certa cooperação com o novo governo, segundo Romanos 12, e assim exortava os irmãos. Insistia em não emigrar, a estar preparados, como bons cristãos e chineses, para o sacrifício.
Durante 1949 a maioria dos missionários com visão evangélica tinham procurado manter-se em seus postos com a esperança de continuar com o seu testemunho sob o novo regime. Mas em meados de 1950 o governo começou uma série de reuniões tendentes a estabelecer uma igreja oficial na China, a da Tríplice Auto-reforma.
A pressão política começou nas zonas rurais. As igrejas foram fechadas, e seus dirigentes perseguidos e encarcerados.
Mas até neste período de turbulências, os irmãos ainda podiam reunir-se em Nanyang. Ali os que iam e vinham foram abençoados pela cálida personalidade de Nee e suas valiosas exposições bíblicas. Um pastor chinês escutou Nee falar uma semana inteira sobre Romanos 1:1, e comentou: "Cada noite deu um sermão diferente de notável qualidade; mas quando ele os juntava tinha uma larga e bem composta tese. Era simplesmente maravilhoso".
No ano 1951, o governo comunista pôs-se a empregar uma estratégia de reuniões públicas de acusação contra os missionários e líderes cristãos. Em 30 de novembro, no período oficial da Tríplice Auto-reforma, publicou-se uma carta de um crente de Nankin, em que acusava a Nee de servir ao imperialismo e controlar 470 igrejas do país a partir da sua sede central em Shangai.
Quando um grupo de obreiros consultou a Nee o que faria para defender-se da acusação, ele recordou-lhes as suas experiências passadas quando foi disciplinado pela mão de Deus. Toda vez que isso tinha ocorrido, o resultado tinha sido muito instrutivo e de muito fruto espiritual.
Os agentes comunistas realizaram em Nanyang uma reunião de acusação contra Nee. No entanto, nenhum irmão se levantou para refutar a acusação. Os agentes saíram derrotados, mas com a demanda de que Nee convencesse os irmãos a fazê-lo mais adiante.
A partir de então, e prevendo que faltavam poucos dias de liberdade, Nee se aproximou da tarefa de preparar material bíblico. Vários colaboradores tomavam nota de tudo o que ele lhes ensinava. A um grupo de jovens, por exemplo, falou exclusivamente sobre as provas da existência de Deus. Houve também uma série de estudos, de caráter prático, sobre Cristo como a justiça, a sabedoria e a glória de Deus para o crente, e sobre o poder da ressurreição.
No entanto, não era isso o que tinha ordenado o Movimento Tríplice Auto-reforma. Portanto, houve novas demandas do governo, esta vez de que saísse de Shangai. A desculpa era que tinham ficado pendentes alguns assuntos do laboratório, e que devia apresentar-se na Manchuria. De modo que o sentido de urgência em aproveitar ao máximo o tempo que ficava intensificou ao ponto do desespero. Juntos trabalhavam todo o dia e até altas horas da noite, expondo e gravando a Palavra de Deus, até que no mês de março, apenas dormiam duas horas por noite.
Finalmente, foi impossível evitar o ultimato do governo. Com suma tristeza se despediu dos irmãos e de sua esposa e partiu para Harbin. Os crentes não tiveram mais notícias dele até que foi acusado formalmente em janeiro de 1956.
Detenção e processamento
Aos cinqüenta anos de idade foi detido na Manchuria pelo Departamento de Segurança Pública em 10 de janeiro de 1952, e na primeira investigação foi acusado de "tigre capitalista", à margem da lei, que tinha cometido os cinco crimes especificados contra a corrupção no comércio. Advertiram-lhe que o laboratório deveria pagar uma multa de 17.000 milhões de yuan em moeda antiga (quase meio milhão de dólares). Nee não aceitou esta acusação, e tampouco tinha os recursos para pagar tal multa; de modo que permaneceu encarcerado, e o laboratório foi finalmente confiscado pelo Estado. No cárcere foi tirada a sua Bíblia e não foi permitida comunicação alguma com os de fora.
Stephen Kaung crê que repetidas vezes lhe ofereceram a oportunidade de ser reivindicado como líder máximo cristão se guiasse os seus muitos adeptos a identificar-se com a Igreja da Tríplice Auto-reforma. Ao não aceitar, os seus captores o submeteram a longos interrogatórios, vigilância intensiva, e fizeram que escrevesse uma e outra vez a sua biografia até embotar a sua mente, procurando elementos para acusá-lo criminalmente.
Em sua ausência, muitas igrejas associadas a ele se uniram ingenuamente à política estatal, mas muitas delas se apartaram nos anos seguintes, ao comprovar o engano da estratégia marxista.
Em 18 de janeiro de 1956 começou no salão da rua Nanyang uma série de reuniões organizadas pela Câmara de Assuntos Religiosos, com o propósito de dar a conhecer aos crentes a lista de acusações criminais que se levantariam contra Nee e seus colaboradores, e insistiam aos crentes a expressar os seus pontos de vista. As acusações eram de intriga e espionagem imperialista, de atividades contra-revolucionárias hostis à política do governo, e irregularidades financeiras e libertinagem. Tudo isso estava contido em nada menos que 2.296 folhas. Este exercício pretendia incitar os irmãos à indignação contra Nee, para uma reunião maciça de acusação que seria levado a cabo de um mês.
Com efeito, em 29 de janeiro se apresentou o "Caso Nee" diante da Corte de Segurança Pública de Shangai, e no dia seguinte se levou a cabo a reunião de acusação no salão de Nanyang. Estavam presentes umas 2.500 pessoas. As acusações foram proclamadas publicamente em detalhe e apoiadas por uma exibição de fotografias e outras 'provas' documentadas. O processo durou um mês. No mesmo lugar onde Nee tinha guiado à igreja em oração e tinha-lhes exposto a Palavra que exalta a Jesus Cristo, efetuou-se a longa recitação de acusações contra ele.
Como observou um colega e amigo, as acusações contra Nee não eram religiosas, mas sim políticas e morais. Por toda Shangai se obrigavam os pastores e evangelistas a organizar pequenos grupos de estudo para pôr em conhecimento de todos os cristãos os 'crimes' de Nee. Em 6 de fevereiro, Tien Feng, o diário oficial do movimento religioso estatal, dedicou 11 páginas para revisar o caso Nee. Os números posteriores seguiram com abundância de injúrias.
Em meados de abril anunciou-se que a reorientação da igreja na rua Nanyang já estava concluída. Em 15 de abril entrou formalmente para formar parte do Movimento Tríplice Auto-reforma.
Em 21 de junho de 1956, Nee apareceu perante a Suprema Corte de Shangai. A reunião durou cinco horas. Durante a audiência foi anunciado que ele tinha sido excomungado por sua própria igreja, foi declarado culpado de todos as acusações e sentenciado a 15 anos da prisão, com reforma mediante trabalhos forçados, a partir de 12 de abril de 1952.
Na prisão até o final
Todo prisioneiro que cumpria uma sentença podia designar um parente para visitá-lo. Somente depois de um intervalo de cinco anos, foi permitido a Pin-huei ir ver-lhe. As entrevistas, que eram fiscalizadas, efetuavam-se em um salão, separados por uma barreira de arame tecido, e durava meia hora. Podia-se renovar a permissão a cada mês. Nee também podia enviar e receber uma carta por mês, o que era estritamente censurada.
A cela de Nee media 2,70 x 1,35 M. O único móvel era uma plataforma de madeira sobre o piso que servia de cama. A porta dava para uma galeria de 0,70 M., com janelas na parede oposta. Devido aos insetos era difícil conciliar o sono.
O dia se dividia em oito horas de trabalho, oito de educação e oito de descanso. A roupa era pobre, a comida escassa, a calefação não existia. Nee recebeu a mesma reforma educativa que os prisioneiros políticos. Escutavam conferências sobre política, atualidades e técnicas de produção. Mais adiante, mantiveram-lhe ocupado traduzindo do inglês para o chinês livros científicos e artigos jornalísticos de interesse oficial.
Em novembro de 1952 foi publicado o seu primeiro livro em inglês: A Vida Cristã Normal, impresso em Bombay, Índia. É pouco provável que ele se inteirou da ampla difusão que tiveram as suas mensagens fora da China e da bênção que produziram.
Um prisioneiro estrangeiro de outro pavilhão conta que Nee procurava cantar todas as manhãs, antes que começassem os alto-falantes, quatro ou cinco canções que ele tinha composto a partir das Escrituras. Outros prisioneiros que recuperaram a liberdade em 1958 diziam que ouviam com freqüência Nee cantar hinos em sua cela.
A fome que aumentou sobre o país no começo dos anos 60 também chegou aos cárceres. Em 1962, quando dois frágeis anciões foram postos em liberdade logo depois de cumprir sentenças de dez anos, disseram que Nee pesava menos de 50 quilogramas. Um ano e meio depois estava doente no hospital do cárcere padecendo de isquemia coronária, e o eximiram por um tempo do trabalho manual.
Em abril de 1967 se cumpriram os 15 anos da sentença de Nee. Mas isso não significava necessariamente a sua liberdade. Freqüentemente estavam acostumados a estender a condenação a quem não mostrava mudanças em sua maneira de pensar. Por isso, quem orava por sua libertação não estavam tão otimistas. Em todo este tempo, saquearam muitas vezes o lar de Pin-huei, revisando os seus pertences, ridicularizando e destruindo tudo o que era cristão. Para ela foram anos muito difíceis.
Em setembro, os anciões da igreja em Hong Kong receberam uma nota, o parecer das autoridades da China, de que tanto Nee como a sua esposa podiam ser resgatados e sair do país se fosse depositado uma soma considerável de dinheiro na filial do Banco da China. Os crentes reuniram muito prontamente a quantia e foi depositada. No entanto, no princípio do ano seguinte, receberam a informação de que a transação não se faria. O dinheiro foi devolvido aos seus doadores.
O que aconteceu? Muitos pensam que foi o mesmo Nee quem não aceitou o resgate (Heb. 11:35). Talvez tenha pensado que ao manter-se em sua atitude de cooperar com o governo ajudaria a formar uma imagem de cristãos fiéis, para diminuir a animosidade contra eles. Talvez tenha preferido seguir nas mãos de Deus, para experimentar mais tarde o poder de sua ressurreição.
Em maio de 1968 um chinês, que visitava uma capital ocidental, pediu asilo. Ali contou às autoridades que tinha sido um guarda do cárcere de Shangai e que, mediante o testemunho de Nee, tinha encontrado a Jesus Cristo como o seu Salvador.
Em janeiro de 1970, com a idade de 66 anos, e depois de 18 anos no cárcere, Nee foi transferido para um "cárcere aberto" ou um campo de trabalhos forçados na campina. Ali, ou o clima não lhe caiu bem ou o trabalho que lhe deram foi muito para ele. A doença cardíaca que o afligia se agravou, causando-lhe muitas moléstias. Não obstante, já vislumbrava o fim da sentença de 20 anos, e as esperanças de Pin-huei brotaram novamente.
Uma tarde de 1971, ela estava arrumando algo em seu lar, aonde possivelmente muito em breve chegaria o seu marido. Subiu sobre um banquinho, perdeu o equilíbrio e caiu, fraturando várias costelas. É possível que tenha sofrido um leve enfarte. Poucos dias depois morreu no hospital.
Quando Pin-cheng, a irmã de Pin-huei visitou Nee no campo de trabalho, encontrou-o aparentemente bem, face à má notícia. Mas em um dos seus bilhetes ao seu sobrinho, revela o seu verdadeiro estado: era o desfecho. Tinham ansiado tanto sua reunião no próximo abril! Não se sabe o que tenha ocorrido no verão de 1972. Em 12 de abril, Nee fez 20 anos de prisão, cinco a mais do que foi publicado em sua sentença.
As autoridades tinham aceitado dar liberdade a Nee, com a condição de que deveria viver em um pequeno povoado -de nenhuma forma em Shangai nem Fuchou- e desde que a comunidade assinasse um documento em que o aceitasse. Um sobrinho de Nee procurou fazer alguns trâmites a respeito.
Seis semanas depois esteve em Anhwei. Teria sido muito penoso a viagem, ou sofreu mais privações? Não temos mais detalhes. Não sabemos se teve alguma companhia cristã em seus últimos momentos. Tudo o que sabemos é que em 1° de junho de 1972, aos 68 anos de idade, passou para a presença do Senhor.
Só Pin-cheng foi informada da sua morte. Quando foi ao lugar acompanhada de uma sobrinha, o corpo do Nee já tinha sido cremado. Ela tomou as suas cinzas, e as deu a um sobrinho, a qual as enterrou, junto às de sua esposa. Um funcionário do campo mostrou-lhes um papel que tinha encontrado debaixo do travesseiro. Tinha escritas várias linhas com palavras de letras grandes, escritas com mão trêmulas. O papel dizia: "Cristo é o Filho de Deus, que morreu para a redenção dos pecadores e ressuscitou ao terceiro dia. Essa é a maior verdade do universo. Morro por causa da minha fé em Cristo. Watchman Nee".

Fonte: Revista "Aguas Vivas", edições 41 e 42

UM DESGRAÇADO COMO EU

Por George Werwer
A maioria das pessoas não quer ouvir líderes cristãos admitindo seus pecados, nem dizendo que ainda há ocasiões em que pecam.
Em uma ocasião, contei minha história e, pouco depois, um dos navios de nossa missão naufragou. Uma pessoa me escreveu que o julgamento de Deus estava sobre mim (na verdade, queríamos substituir o navio. Ninguém saiu ferido no naufrágio, que consideramos uma bênção de Deus). Então, passei a esperar esse tipo de resposta.A maioria das pessoas não quer ouvir líderes cristãos admitindo seus pecados, nem dizendo que ainda há ocasiões em que pecam. E muito poucos querem ouvir um líder dizer que sabe conviver com sua natureza pecaminosa. Mas eu aprendi. E declarei isso em público.Eu não diria que minha tentação para a pornografia é um vício. Não tenho sido exposto a ela com freqüência. Não a procuro na internet, não pago por ela. E não tenho acesso constante às revistas desde a adolescência.Uma vizinha orou por mim durante dois anos, disse ela, e passei por uma experiência poderosa de conversão quando tinha 16 anos, em uma cruzada de Billy Graham. Depois disso, soube que a pornografia tinha de ir embora e queimei as poucas revistas que tinha. Se eu não tivesse me convertido, a pornografia poderia ter se tornado um vício terrível. Ainda assim, durante a maior parte de minha vida adulta, enfrentei tentações horríveis e caí algumas vezes.Posso dizer com sinceridade que, com o passar dos anos, parei de procurar pornografia. Ela vem até mim. E me pega de surpresa. Uma vez, quando me dirigia para uma reunião estratégica em Edimburgo, na Escócia, encontrei uma revista no banheiro. Aconteceu de novo quando eu estava a bordo de um navio, indo para a Escandinávia. Um momento de decisão aconteceu cerca de 30 anos atrás, quando eu caminhava pela mata, nos arredores de Londres. À distância, vi alguma coisa pendurada nos galhos de uma árvore. Era uma revista pornográfica, toda furada por balas. Alguém a pendurara ali para servir como alvo. Subitamente, passei a ser o alvo.Gostaria de poder dizer que destruí a revista e saí vitorioso, mas a verdade é que, naquele dia na mata, a revista me fez de gato e sapato.Fiquei na mata bastante tempo, depois de meu episódio de luxúria com a revista, antes de conseguir me arrastar de volta à cruz e pedir perdão. Depois disso, na maior parte das vezes, fui capaz de suportar as tentações de Satanás. Gostaria de poder dizer que isso acontece todas as vezes, mas seria mentira.E, lá na mata, descobri uma nova postura diante de meu pecado: quando peco, peço perdão. Todas as vezes.Qual a verdadeira aparência da vitória?Como é a vida vitoriosa para o pecador? Ausência de pecado? A derrota de Satanás em todas as tentações? Terminar o campeonato sem uma derrota sequer? Se for essa a medida, então estou fora. E, acredito, todos falhamos, e continuaremos a falhar, sem alívio.No meu próprio caso, dando a mim mesmo o benefício da dúvida, calculo que consigo resistir, talvez, em 95% dos casos de tentação. Porém, como o número de tentações que enfrentamos é enorme, ainda há quedas demais!Claro que nos 45 anos de minha vida cristã, falhei, e não apenas na área da luxúria. Existem pecados muito mais graves do que relação sexual com uma revista. Para mim, os maiores problemas são irritabilidade e raiva. Para outros, arrogância, acusação ou legalismo.Vida vitoriosa, tendo em vista nossa natureza pecadora, não é ausência de pecado, mas sim saber o que fazer quando pecamos. Em 1 João 2.1, a Bíblia diz: “não pequem”. O desejo de João era que seus seguidores não pecassem. Mas o versículo prossegue: “Se, porém, alguém pecar, temos um intercessor junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo”.Quando peco, estou pronto a confessar rapidamente. E, quando confesso, acabo com o poder de Satanás, o enganador, o adversário que deseja me fazer acreditar em mentiras (“eu não fiz nada errado”, ou “meu pecado é tão horrível que não sirvo mais para trabalhar para Deus”). Pela confissão sincera, minha força para lutar contra a próxima tentação aumenta muito, pois sei que o inimigo não tem nada que possa usar como acusação contra mim. Cristo é meu defensor diante do Pai, Ele afirma que fui perdoado. Satanás não tem nada a dizer.Nunca duvidei, desde o momento da conversão, da palavra de Deus sobre seu amor por mim. É essencial entendermos que Deus nos ama e nos aceita – inclusive quando falhamos. Essa verdade tem me sustentado. Mesmo rejeitado por causa de meus pecados, ou por falar neles, sempre senti o amor de Deus. Nunca duvidei da palavra dele quanto ao amor por mim. Tenho um convite em aberto para voltar a Ele assim que estou pronto a admitir que, mais uma vez, o pecado me venceu.O amor de Deus não é uma licença para pecarmos. Graça, sem disciplina, pode levar à desgraça. Embora Deus perdoe minhas desgraças, como líder cristão, se houver muita desgraça, minha credibilidade e a capacidade das pessoas confiarem em mim acabarão. Paulo falou: “esmurro o meu corpo e faço dele meu escravo, para que, depois de ter pregado aos outros, eu mesmo não venha a ser reprovado” (1 Coríntios 9.27). Se eu não tivesse enfrentado meu problema logo e o mantivesse em uma área restrita de minha vida, o pecado poderia ter crescido ao ponto de me desqualificar. Só pelo poder de Cristo sou capaz de me colocar sob sujeição.Passei a prestar contas à minha esposa sobre a área da lascívia, e ela tem sido uma imensa fonte de afirmação para mim. Ora por mim, ouve quando conto as lutas ocasionais e jamais me condena. Lembro que contei a ela, hoje já mais velho, que uma olhadela rápida em pornografia havia causado um grande impulso físico em mim. “Bem,” disse ela, “pelo menos isso prova que você ainda tem alguma coisa”. Posso ser sincero com minha esposa, e ela comigo.Um pecador ensina pecadoresEsforcei-me para sustentar as pessoas que me procuraram para um relacionamento de orientação. Como criaturas inclinadas ao pecado, somos incapazes de controlar sozinhos nossos pecados. Precisamos de gente que aceite que somos pecadores e que nos impeça de ceder ao pecado.Meu ministério mais especial como “mentor” começou com minha confissão em público. Fui convidado para falar na conferência missionária em Urbana (EUA), em 1967. Minha mensagem não tratava de missões. Falei sobre pecado sexual.Foi a primeira vez que dei testemunho para um grande público. Alguns ficaram incomodados com minha franqueza, mas disse a esses jovens que eles, como eu, precisavam se arrepender da imoralidade sexual. Cerca de 4.000 se responderam ao apelo, muitos chorando de arrependimento.Já preguei três vezes em Urbana depois disso e, todas as vezes, as pessoas me cercam à procura de alguém que as ouça a respeito de suas lutas sem as condenar, e as leve de volta a Cristo.Um jovem que estava no campo missionário me escreveu, pedindo que eu me encontrasse com ele na fronteira do país em que estava. Sofria muito por seu pecado. Não conseguia nem verbalizar; então digitou em uma página a descrição de seus vícios. Eu o coloquei como meu companheiro de trabalho por um ano (sempre tive alunos viajando comigo). Assim, tivemos tempo para trabalhar nos problemas dele, que voltou ao campo missionário e hoje tem uma esposa e uma família maravilhosas.Ele precisava de alguém que lhe dissesse, com base na experiência própria, que há esperança. Com muita freqüência a igreja dá idéias falsas sobre santidade. Todos nós queremos amadurecer em santidade, mas leva tempo. O crescimento vem com a idade e a experiência. Princípios legalistas não são a resposta para o mistério do pecado humano. Aconselhei aquele jovem a buscar o equilíbrio entre graça e disciplina.E o incentivei a ler mais. Livros sobre os heróis da fé têm de ser fermentados com a aclamação sincera dos fracassos deles. Até os maiores de nós são tão pecadores quanto santos. Precisamos mirar exemplos realistas dos que buscaram padrões santos e, dando dois passos à frente e um para trás, nos aproximarmos deles.Líderes que admitem sua vulnerabilidade e até suas falhas, mancam. Porém, suponho que seja isso que faz com que os feridos consigam alcançá-los e pedir ajuda.O serviço a Deus é acessível aos deficientes.Ainda jovem na fé, eu estava na porta de uma boate em Indianápolis, distribuindo folhetos. A programação da noite chamou minha atenção, e logo eu estava sentado na terceira fila, assistindo o show. Era strip-tease. Em poucos minutos, fui tomado de emoção. Percebi onde estava – o evangelista, com os bolsos repletos de folhetos, olhando com cobiça as jovens que tiravam a roupa, peça por peça. Corri para fora, fui até o ponto de ônibus mais próximo, onde havia uma cabine telefônica. Não peguei o fone, mas chamei Deus.“Ó Deus!”, clamei. “Perdão, perdão”.Não senti o perdão, mas sabia que Ele havia prometido nos perdoar. Minutos depois, comecei a dizer a mim mesmo: “Fui perdoado. Obrigado, Senhor”. E saí da cabine.Mas, depois do perdão vem a condenação. “Deus não pode usar você. Você o decepcionou”, disse o acusador.Antes que eu conseguisse dizer qualquer coisa, um homem andou em minha direção. Pensei que ia me perguntar sobre o horário do ônibus, ou alguma outra informação, mas ele começou a me contar seus problemas. Em poucos minutos me perguntou: “Qual a solução?”. Uma hora mais tarde ele se ajoelhou perto do Memorial de Guerra em Indianápolis e entregou a vida a Jesus Cristo.Eu nunca conseguiria inventar uma história tão boa.Satanás queria me ver na boate, afundando cada vez mais na degradação da luxúria e da pornografia. O segundo plano era me fazer ficar preso na angústia da cabine telefônica pelo resto da vida. Porém, pela graça de Deus, pelo meu arrependimento e no recebimento do perdão pela fé, voltei ao plano de Deus e Ele me usou para levar aquele homem à salvação.Se algum dia eu viesse a precisar da evidência do perdão e da restauração, já tinha.Sou um pecador. Venho me fortalecendo com o passar dos anos. Arrasto-me até a cruz quando peco e descubro que Deus ainda me ama, continuando a me usar para levar outros a Cristo. Isso é graça, concorda?

George Werwer é diretor internacional de Operação Mobilização, organização missionária mundial com sede em Londres, na Inglaterra.

domingo, 17 de agosto de 2008

PERDÃO E RECONCILIAÇÃO

Um homem branco de meia idade sentado à esquerda, barba por fazer, os olhos completamente marejados, perguntava: “Por que você atirou em minha mulher na porta de nossa casa?” O assassino, um homem negro de aspecto franzino, impassível, olhos também marejados, mexia os lábios sem conseguir responder.
Um outro homem negro virou-se e de forma pausada e contida, indagou: “Por que você o agrediu? Ele voltava do trabalho para nossa família. Você não sentiu nada ao acertar-lhe a cabeça até expor-lhe o cérebro?” A esta altura o homem não agüentou mais. Colocou o rosto entre as mãos e soluçou descontrolado. O assassino, de cabeça baixa, mirava o chão, enquanto as lágrimas escorriam e pingavam pela ponta do nariz.
Estes eventos reais aconteceram às centenas durante o processo de redemocratização da África do Sul no governo Mandela. Este, após 27 anos de cárcere, foi solto em 1991 e tornou-se presidente do país nas primeiras eleições multirraciais (1994 – 1997). Havia enormes feridas. O mundo olhava apreensivo, pois nestas circunstâncias o sentimento de vingança disfarçado de justiça, clama desesperado. A esquerda política pedia a radicalização do processo e a condenação de todos os brancos agentes do apartheid instalado desde 1948. A direita do novo governo, majoritariamente formada pelos brancos outrora opressores, pedia a anistia pura e simples, o esquecimento das atrocidades à la brasileira e argentina, por exemplo.
Um grande impasse estava formado. Entretanto, tendo à frente do novo governo um homem calejado e experimentado na dor, surgiu uma terceira via que ficou conhecida como Tribunal da Verdade e da Reconciliação que na ocasião foi presidido pelo bispo Desmond Tutu, prêmio Nobel da paz. O tribunal poderia anistiar todos aqueles que se apresentassem e admitissem suas culpas e que os crimes praticados tivessem motivação política. Foram acolhidas vítimas e algozes num mesmo espaço. As primeiras para confrontarem com sua história e sua dor aqueles que lhe causaram o mal. Os segundos para serem libertos pela confissão.
Os gregos antigos diziam que o esquecimento é a pior forma de punição. A crueldade, neste caso, está manifesta da maneira mais terrível porque é à vítima que é negada a justiça. O esquecer sem confissão não limpa a sujeira, não aplaca a dor da humilhação. Não há valor maior que suplante este ato, nem mesmo uma suposta paz entre os deflagrados. Não se pode construir relações saudáveis esquecendo o mal praticado. O mal deve sempre ser exposto, por mais doloroso que seja. A confissão humaniza o carrasco e torna-o passível de ser perdoado sem prejuízo, sempre que couber, da reparação.
Uma frase de Mandela tornou-se antológica: “Sem reconciliação não há futuro.” Mas como se viu no breve relato anterior, não haverá espaço possível para reconciliação sem a confissão do culpado. A vítima pode até perdoar sem que lhe tenha sido pedido desculpas ou perdão. É mais comum aqueles que sofrem serem magnânimos que os que impingem o sofrimento serem humildes até para aceitar que lhe perdoem, porque estão bêbados de arrogância e medo. Os sofredores perceberam sua própria dimensão, coisa que a dor é capaz de fazer. Tiveram abalados os alicerces, foram tocados pela força e viram sua fragilidade.
Afirmei que o malévolo sente medo. Parece não condizer com suas atitudes de causar o mal, mas a Bíblia já afirmava isso muito antes dos psicólogos. Diz João, o apóstolo do amor: “No amor não existe medo; pelo contrário, o amor perfeito lança fora o medo, porque o medo supõe castigo. Por conseguinte, quem sente medo ainda não está realizado no amor.” (1 Jo 4.18 – EP)
A confissão e o perdão são irmãs gêmeas de um mesmo processo que chamamos de reconciliação. São pedagógicas, terapêuticas e libertadoras. Aquele que confessa, livra-se do medo e da culpa, recupera a dignidade. Aqui uma ligeira digressão. A palavra culpa ganhou uma conotação distorcida neste mundo secularizado. Acusam o cristianismo de infundir sentimento de culpa nas pessoas. A pessoa de bem com a vida, o forte, o vencedor, é aquela que bate no peito e diz: “Não me arrependo de nada”. O tolo é auto-suficiente, nunca deve nada ninguém. Numa maioria de cristãos nominais, pessoas que mal sabem fazer o sinal da cruz ou repetir o “Pai nosso” sem errar, o cristianismo tem influência meramente cultural. A culpa é um sentimento natural quando se transgride a lei moral instalada dentro de cada um de nós. Está presente nos homens desde quando lhe chamávamos pré-históricos.
O que perdoa recebe o livramento da raiva ou ódio carregado em suas entranhas como um empachamento emocional. Livra-o do sentimento de vingança que, como uma ferrugem, oxida a alma, enfraquece a moral, adoece o ânimo. Aquele que perdoa percebe que não há mais nada à espreita como um animal de tocaia para devorar-lhe a vida. Os espaços se alargam como nuvens de chumbo invadidas pelo sol. Não por coincidência o processo de reconciliação naquele país estilhaçado tenha sido conduzido por um homem que crê e pratica os valores do Evangelho, em cujo centro está o perdão. Perdão de Deus para os homens na pessoa de Jesus.
Confessar e perdoar são muito mais que um ato ritual cartártico é condição fundamental de saúde mental, física e espiritual. Não é, no dizer psicológico, somente elaboração de feridas ou traumas, é, antes de tudo, reproduzir de forma, mesmo que tímida, o ato de Deus. Aproxima-nos dEle como parte daquilo que Ele é. Pede coragem, desprendimento, humilde atitude de reconhecer que também somos falhos. A confissão aplaca a ira e a dor. Lembrando que esta é sempre o primeiro passo para que se faça justiça. O perdão, diz a Bíblia, é como amontoar brasas vivas sobre a cabeça do culpado (Rm 12.20).
O esquecimento destas práticas como parte daquilo que nos torna humanos, a relativização destes fundamentos, sua abstração, em nome de valores que representam a competitividade, a força, a suprema liberdade humana (lembrar Nietzche), não torna os seres humanos mais fortes e vencedores, torna-os robotizados, insensíveis, gera apenas uma sociedade injusta, amante da violência e sem rumo. Do mesmo modo, cultivar o perdão e confissão como leis da vida, não enfraquece a pessoa, liberta-a para ser o que quiser.
Autor - Eudes Oliveira de Alencar
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